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A atualidade política, mais uma vez, nos coloca diante de um espelho incômodo, onde se refletem os contornos distorcidos de nossa segurança jurídica. Na pauta da semana, o debate que domina os círculos de poder e as mesas de bar é o julgamento do ex-presidente da República na primeira turma do Supremo Tribunal Federal. Não se trata de um processo ordinário, mas de um espetáculo que levanta sérias dúvidas sobre a imparcialidade da justiça e o respeito à letra fria da lei, princípios que deveriam ser inegociáveis.
É fundamental reiterar, para que a clareza se sobreponha à confusão, que o ex-presidente não está sendo julgado por atos consumados, mas por supostas acusações. A Procuradoria-Geral da República apresentou denúncias, e a Corte agora analisa se as alegações de "organização criminosa armada", "tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito", "golpe de Estado", entre outras. A defesa, em sua tese, sustenta a não fundamentação da denúncia, argumentando que as acusações são genéricas e carecem de provas concretas, um ponto que ganhou peso no voto divergente do ministro Luiz Fux.
A divergência, aliás, é o ponto central que expõe as fragilidades deste processo. Enquanto os votos do relator, ministro Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino caminham para a condenação, embasados na tese de que o ex-presidente seria o "líder de uma organização criminosa que tramava o golpe", o voto técnico e detalhado de Fux trouxe um respiro de lucidez. O ministro Fux, ao se aprofundar nos autos, apontou a incompetência da Turma para julgar o caso, defendendo que a matéria deveria ser analisada pelo plenário completo. Mais do que isso, ele questionou a ausência de provas de que as supostas ações do ex-presidente teriam se concretizado em um efetivo plano de golpe, chamando de "ilações" a ligação direta entre o ex-mandatário e a depredação dos prédios públicos.
Essa discussão judicial ganha ares de ironia amarga quando se recorda o contexto de centenas de condenações já proferidas pelo STF com o voto do ministro Fux. Em várias decisões, o mesmo tribunal condenou mais de 600 pessoas por crimes relacionados ao 8 de janeiro, incluindo senhoras, muitos delas com Bíblias nas mãos, que, em sua esmagadora maioria, não estavam armadas, nem tampouco tinham a capacidade ou os meios para organizar um "golpe de Estado". A narrativa de um golpe arquitetado por manifestantes desarmados, que, em sua ingenuidade e revolta, acabaram por invadir prédios públicos, sempre foi frágil. A pena severa e o tratamento rigoroso dispensados a esses cidadãos contrastam, de maneira gritante, com o rito e a defesa que agora se apresentam ao ex-presidente, gerando a percepção de que existe uma justiça para os inimigos políticos e outra para os demais.
A credibilidade do sistema de justiça, pilar de qualquer sociedade livre, depende de sua coerência e de seu apego estrito à lei, e não a interpretações fluidas que se moldam ao sabor das conveniências políticas. Quando a lei é distorcida, e a pena é aplicada sem a devida observância dos ritos e das garantias individuais, a liberdade de pensamento e de expressão — princípios caros a todos que defendem o conservadorismo e a ordem — é colocada em xeque. O povo, a quem serve o judiciário, não é tolo e percebe a discrepância.
O que se desenrola no STF não é apenas o julgamento de um homem, mas o teste de um sistema. A forma como se encerra este capítulo definirá se o Brasil é um país onde a lei é soberana ou se a política, em sua forma mais nociva, está acima de tudo. A defesa da liberdade exige que a lei seja o farol de nossas ações, e não um instrumento de vingança.

A contramão da justiça
Entre o grito do Ipiranga e o silêncio da autocracia
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