ELAS & O DIREITO

O que é foro privilegiado?

 

O foro privilegiado visa preservar o exercício da função pública, garantindo que acusações criminais contra altos funcionários do governo sejam tratadas sem parcialidade e livres de influências políticas locais.

Esse mecanismo busca assegurar que os julgamentos sejam conduzidos de maneira justa e imparcial, evitando que sejam afetados por pressões externas ou manipulações indevidas.

A ideia é que a administração da justiça nessas situações ocorra em um ambiente que preserve a integridade do processo legal, protegendo a função pública de ataques que possam comprometer seu resultado e credibilidade.

"Em outras palavras, é um mecanismo que garante que algumas autoridades públicas não sejam julgadas pela justiça comum."

No Brasil, o foro por prerrogativa de função abrange uma série de cargos, conforme definido pela Constituição Federal e outras legislações específicas. Alguns dos principais cargos incluem:

Presidente da República: Julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos criminais comuns. Em caso de crimes de responsabilidade, o julgamento é conduzido pelo Senado Federal.

Governadores: Têm seus casos criminais comuns julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados.

Prefeitos: Também são julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados em crimes comuns.

Deputados Federais e Senadores: Julgados pelo STF em casos criminais.

Ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas: Como os parlamentares, respondem perante o STF.

Além destes, outros cargos e funções no Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas também gozam de foro especial, cada um com especificidades conforme a legislação.

O foro privilegiado é um tema de intensa controvérsia no Brasil. Críticos argumentam que ele cria uma espécie de "casta" dentro da sociedade brasileira, onde certos indivíduos têm mais proteções legais do que outros.

Alega-se que isso fere o princípio da igualdade perante a lei, além de poder contribuir para a impunidade, uma vez que os tribunais superiores, como o STF, têm um volume de trabalho muito alto e não conseguem julgar todas as ações penais com a celeridade necessária.

A virada no entendimento do Supremo Tribunal Federal em torno do foro por prerrogativa de função foi decidida a partir da Questão de Ordem na Ação Penal 937, julgada em 3 de maio de 2018. O Tribunal reconheceu que a extensão ilimitada do foro (para todos os tipos de crimes) contrariava os princípios da igualdade, do juiz natural e do republicanismo, fixando duas teses centrais:

·         a prerrogativa aplica-se apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e

·         após a intimação para apresentação das alegações finais, a competência não pode mais oscilar em razão de o agente assumir ou deixar o cargo.

Na mesma linha decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar questão de ordem na APn 857, restringiu o foro de governadores e conselheiros de tribunais de contas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e em razão deste.

O legislativo tem discutido uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada por unanimidade no Senado em 2017, ainda precisa ser aprovada na Câmara para que apenas os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), além de seus vices, mantenham o foro privilegiado.

Entre os pontos principais a serem alterados pela PEC do foro privilegiado estão:

·         proíbe a criação de foro especial para crimes comuns.

·         garante que, após o início de um processo penal contra um agente público, a mesma vara continue julgando ações posteriores com o mesmo objeto e causa.

·         retira de tribunais superiores a competência para julgar crimes comuns cometidos por governadores, desembargadores, membros do Ministério Público, ministros de tribunais superiores e parlamentares.

·         elimina o foro de prefeitos, de deputados e senadores.

·         proíbe que estados criem dispositivos semelhantes.

Apesar de o texto estar parado há anos, a conjuntura atual - marcada por críticas ao STF e por disputas entre poderes - reacendeu o interesse pela proposta.

Mas, apesar do apoio de alguns partidos, o avanço da PEC do foro ainda depende mais de cálculos políticos do que de convicção jurídica. Um dos empecilhos é a disposição do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de colocar a pauta em votação. Se Motta for convencido da importância da PEC, o desafio passa a ser aprovar a PEC em dois turnos na Câmara, com apoio de pelo menos 308 deputados em cada um deles.

Diante de todo esse cenário de desconfiança e acusações entre os três poderes, em especial ao poder judiciário, resta saber o que podemos esperar do poder legislativo, em especial dos deputados, que desde 2018 estão procurando uma data para votar o projeto de Emenda à Constituição.