Elas & o direito

Na novela esquecem o advogado, na vida real pode custar sua liberdade

  

Durante a última semana o país acompanhou com interesse na televisão, redes sociais ou streaming o desfecho da novela Vale Tudo, onde boa parte dos capítulos se dedicou ao “Quem matou Odete Roitmann”.

Dentro desse panorama se acompanhou a investigação policial, bem como, interrogados familiares, suspeitos, testemunhas, pessoas de interesse e todos mais que fossem necessários.

E, o que chamou atenção nos meios jurídicos, inclusive através de memes foi que nenhum dos “suspeitos” interrogados na obra de ficção estava acompanhado de advogado. O que é extremamente incomum para pessoas com tal poder aquisitivo, que tem acesso a maior informação e condições financeiras para contratar advogado para acompanhar a fase policial e eventual processo.

O advogado tem a enorme importância no inquérito, o que normalmente é ignorado pelos leigos e até por Advogados, que consideram essa fase um mero momento de espera (“o que o Ministério Público fará depois?”). Deve-se lembrar das várias possibilidades defensivas: apresentação de requerimentos, pedido de diligências, juntada de documentos, acompanhamento em interrogatório e depoimentos etc.

O inquérito policial é o início de tudo. Apesar de ser dispensável, quase sempre acompanhará uma denúncia no processo penal. Além disso, ainda que o Juiz não possa condenar com base exclusivamente nos elementos informativos colhidos durante a investigação, é perceptível que tais elementos contribuem significativamente para a futura sentença (condenação ou absolvição).

Ocorre que muitos investigados não procuram um Advogado quando tem contra si uma investigação. Aliás, algumas Delegacias têm o contato de Advogados que ficam prontos para participarem de uma autuação por prisão em flagrante ou do interrogatório. Nesse prisma, por não saberem que o inquérito é importantíssimo e que determinados atos desse procedimento necessitam de acompanhamento de um Advogado, os investigados são acompanhados por Advogados desconhecidos (e nem sempre são competentes e/ou interessados).

Da mesma forma, é sabido que a Defensoria Pública (que sequer existe em nossa comarca), como regra, não atua plenamente no inquérito policial, salvo quanto ao recebimento dos autos de prisão em flagrante (e pedido de liberdade) ou em comarcas mais estruturadas.

Assim, apesar de o inquérito policial ser extremamente importante, normalmente há defesa técnica apenas quando o investigado percebe a importância e contrata um Advogado para atuar nessa fase. Logo, há uma enorme dificuldade para estruturar uma estratégia defensiva sólida. Infelizmente, talvez esta seja a finalidade oculta do inquérito: dificultar a defesa.

O inquérito policial é decisivo. Com o seu início o investigado  começa a temer pela sua liberdade, seja pelo medo de uma prisão preventiva – tão equivocadamente utilizada -, seja por receio quanto à distante – porém preocupante – decisão final.

Nesse sentido, a atuação do advogado no inquérito policial exige, logo no início, uma apresentação do panorama investigatório e das consequências possíveis. O Advogado apresenta ao cliente quais são as possibilidades e as consequências previsíveis, de modo a tranquilizá-lo ou apresentar-lhe a realidade sobre as chances de encarceramento.

Assim, é recomendável que o advogado apresente ao cliente a possibilidade de indiciamento, as hipóteses em que ele poderá ser preso cautelarmente, se os elementos de informação colhidos até o momento podem dar origem a um processo, se poderá ser oferecida a transação penal (em caso de termo circunstanciado), se há os requisitos que autorizam a proposta de suspensão condicional do processo etc.

Não se trata, como se imagina, de um juízo adivinhatório, um “achismo” ou uma previsão indevida. Consiste apenas em uma análise do panorama atual e na demonstração das consequências possíveis de acordo com cada cenário.

Se o cliente está foragido desde a suposta prática do crime, o advogado deve avaliar todas as circunstâncias para a sua apresentação espontânea, para que não seja decretada a sua prisão preventiva – caso ainda não tenha sido – para a garantia da aplicação da lei penal, argumento normalmente invocado pelos juízes para determinarem o encarceramento cautelar nos casos de risco de fuga.

Quanto à versão defensiva, é imprescindível definir a estratégia a ser adotada no inquérito policial e, posteriormente, se for o caso, no processo penal. A mudança da versão apresentada no interrogatório não é crucial para gerar a condenação, mas pode contribuir para a formação do convencimento do juiz.

A legislação não permite que o Juiz fundamente a sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na investigação, o que não significa que não poderá fundamentar sua decisão parcialmente nos depoimentos obtidos no inquérito.

No caso de inquéritos policiais relativos a crimes dolosos contra a vida, que posteriormente poderão ser objeto de plenário do júri, é essencial que o advogado atue no inquérito pensando nas alegações que fará no plenário e nos argumentos que o Ministério Público tecerá objetivando a condenação.

Se o réu, durante os seus interrogatórios, apresentar versões distintas ou narrativas fáticas com detalhes conflitantes, os jurados e o juiz sempre pensarão que, em algum desses interrogatórios – policial ou judicial –, o réu está mentindo.

Senhores, entendam, tudo que aqui está dito não quer dizer, de forma nenhuma que a polícia aja de maneira equivocada ao realizar o seu trabalho, apenas que o cidadão esteja defendendo sua liberdade em pé de igualdade com quem o investiga, evitando que se autoincrimine, sejam violados os seus direitos, e que sua defesa seja feita sem qualquer estratégia.

Por Karin Frantz

OAB/SC 22.701