ELA & O DIREITO

Ludopatia - O vício em jogos e seus reflexos jurídicos

 

Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e classificada no Código Internacional de Doenças (CID-10) como F63.0, a Ludopatia, ou Transtorno do Jogo, é uma condição de saúde mental séria.

A ludopatia é diferente de um hobby ou de uma diversão, ela é um vício compulsivo que costuma devastar a vida financeira, social, familiar e emocional da pessoa.

Com o crescente número de plataformas de apostas online e a facilidade de acesso, surge a necessidade da discussão sobre os impactos jurídicos dessa situação, especialmente no direito da saúde e no direito bancário.

As consequências são diversas e vão desde o superendividamento, falência, problemas legais, divórcio, em casos extremos, ideação suicida.

A Lei nº 14.790/2023, que regulamenta as apostas de quota fixa no Brasil (aquela em que ao fazer a aposta, o jogador sabe exatamente qual será o valor de seu potencial ganho), já traz a preocupação com a proteção do apostador e a prevenção da ludopatia.

A capacidade de uma pessoa para praticar atos da vida civil é um princípio fundamental do direito civil. Embora a ludopatia não implique em incapacidade civil plena, a condição pode afetar a capacidade de discernimento do indivíduo em momentos de crise compulsiva.

O Código Civil no artigo 814, estabelece que as dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento, mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou no jogo.

No entanto, essa regra pode ser discutida quando há prova de que o apostador agiu sob coação, fraude ou, no caso da ludopatia, com sua capacidade de discernimento comprometida pela doença.

Com o crescente número de casos que acabam na justiça, a jurisprudência tem evoluído para considerar a nulidade de negócios jurídicos, incluindo apostas e empréstimos, quando comprovada a ausência de discernimento do ludopata no momento da transação. Para tanto, é crucial a demonstração de que o indivíduo estava em um estado de perda de controle e impulsividade tão acentuado que sua vontade estava viciada, ou seja, não era livre e consciente.

Outro ramo do direito que desempenha um papel crucial na proteção do ludopata é o direito bancário. Instituições financeiras e plataformas de apostas podem ser responsabilizadas por condutas que facilitem o superendividamento de indivíduos com transtorno do jogo.

A Lei nº 14.181/2021, também conhecida como Lei do Superendividamento, que alterou o Código de Defesa do Consumidor, visa proteger o consumidor em situação de superendividamento, permitindo a repactuação de dívidas e a busca por soluções que garantam o mínimo existencial.

A possibilidade de anular apostas e reaver valores pagos por um ludopata é um tema complexo, mas já conta com precedentes favoráveis. Para que isso ocorra, é fundamental comprovar que as apostas foram realizadas em um contexto de compulsão patológica, onde o discernimento do indivíduo estava ausente. Isso pode envolver a anulação de contratos de empréstimo feitos para financiar o vício, bem como a restituição de valores apostados em plataformas que não adotaram medidas de proteção adequadas.

Para buscar a anulação de apostas e a recuperação de valores, a prova da ludopatia é essencial e deve ser robusta, com acompanhamento psiquiátrico e psicológico de pelo menos um ano, expedição de relatório médico bem fundamentado e atestar claramente que o paciente padece de vício em jogos. O laudo deve conter uma descrição detalhada dos sintomas, da evolução do quadro, relatos de situações de perda de controle e demonstração da impulsividade, perda da capacidade cognitiva de decidir e controlar, e a ausência de discernimento no momento das apostas, bem como as consequências do vício na vida do paciente.

Além de outros documentos como extratos bancários, comprovantes de apostas, registros de dívidas e empréstimos que demonstrem o impacto financeiro do vício.

“A ludopatia é uma doença que exige atenção multidisciplinar, envolvendo tratamento médico e amparo jurídico. O direito brasileiro, por meio do direito da saúde e do direito bancário, oferece caminhos para proteger o ludopata e mitigar os danos causados pelo vício. A anulação de apostas e a recuperação de valores são possibilidades reais, desde que devidamente comprovada a condição patológica do indivíduo e a ausência de discernimento no momento das transações. É fundamental que os profissionais do direito atuem em conjunto com a área da saúde para garantir a proteção e a reabilitação desses indivíduos, promovendo a justiça e a dignidade humana.” (Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/).

Elizabeth Petters Guse Schmidt

OAB/SC 23.885