OPINIÃO

À Sombra da Justiça

 

O Brasil atravessa um de seus momentos mais estranhos e complexos sob a ótica do Direito. Observamos com perplexidade a construção de um cenário judicial que se distancia perigosamente das normas e ritos democráticos que, em teoria, deveriam ser a base de nossa República. O que se desenha não é apenas uma crise política, mas um profundo abalo nas estruturas que garantem o Estado de Direito.

Os relatos sobre o cerceamento de advogados em seu direito de defesa, em julgamentos que tocam o suposto golpe de Estado, são alarmantes. A prerrogativa do defensor de exercer sua função sem coação não é um privilégio corporativo; é a garantia de que o réu terá um julgamento justo, com a ampla defesa assegurada. Quando essa voz é silenciada ou desrespeitada, a balança da Justiça pende perigosamente, e o processo se esvazia de sua legitimidade.

Igualmente preocupante é a imposição de penas que, em muitos casos, parecem ignorar a letra fria da lei. A dosimetria da pena é um princípio legal, um exercício técnico que deve se pautar pela proporcionalidade e pelos parâmetros previstos em nosso ordenamento jurídico. A sensação de que as sanções aplicadas estão acima do que a lei determina transforma o tribunal em um palco de punição exemplar, onde o rigor supera a norma, erodindo a confiança no sistema judicial como um todo.

O fenômeno mais intrigante, porém, reside na proliferação de decisões monocráticas. O poder concentrado nas mãos de um só indivíduo, capaz de determinar o rumo de processos cruciais sem o contraponto do debate colegiado, é um atentado à essência da Justiça brasileira. Nossa tradição legal é de deliberação em colegiados, de pesos e contrapesos que minimizam a possibilidade de arbitrariedade e garantem a pluralidade de visões.

Nesse cenário, a figura do julgador parece assumir papéis que a Constituição e a lógica do Direito jamais previram. Passamos a testemunhar um único "deus" que é, simultaneamente, vítima da ação criminosa, o investigador do fato, o acusador em sua narrativa e, finalmente, o juiz que profere a sentença. Essa acumulação de funções, além de minar qualquer pretensão de imparcialidade, transforma o processo em uma jornada pessoal, e não em uma busca impessoal pela verdade.

Diante de um momento tão anômalo, o dever da imprensa, dos juristas e da sociedade é soar o alarme. Não se trata de defender este ou aquele lado político, mas de defender o próprio arcabouço legal que sustenta a democracia. O Brasil precisa, com urgência, retornar aos trilhos da normalidade jurídica. A Constituição não pode ser um mero adorno; ela deve ser a bússola que orienta cada passo de nossas instituições, garantindo que a Justiça não seja uma exceção, mas sim a regra, para todos os brasileiros.