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CONVERSA AFIADA

Destrinchando Ascurra

Sem dúvida há muitos destaques esquecidos do valoroso trabalho feitos pelos nossos antepassados para chegarmos até aqui.  Em 1876 formou-se o núcleo colonial que hoje é Ascurra. São quase 150 anos de História (...perdida).

Ascurra foi construída em cima de brigas e disputas políticas, nem mesmo o Brasil vivia tempos pacíficos, e o mundo permanece assim. Não foi fácil para ninguém. Diante de conturbadas situações de ordem local e nacional, ainda assim, verificou-se o desenvolvimento da cidade com personalidades importantes e comércios fortes no local: hotel, serralherias, cinema, engenhos de arroz (existiam cinco), engenho de açúcar, tabaco, atafona de fubá, cachaça, frigorífico, teatro em alta atividade cultural, o tradicional Colégio São Paulo foi palco de internato chegando a ter, entre internos e externos, aproximadamente 600 alunos. Parece, porém, que as disputas entre as famílias e os sobrenomes ‘tradicionais’ deram lugar à escassez.

Hoje, todo o potencial que existia até a década de 60, quando da emancipação, simplesmente perdeu força (talvez tenha durado um pouco até a década de 80). Parece que jamais se pensou em desenvolver a cidade como um todo, mas, sim, o desenvolvimento pessoal.

Passados 60 anos da emancipação política, não temos sequer todas as vias da cidade pavimentadas, quem dera saneamento básico ou aquele ‘mazzolin di fiori’ que os antepassados enxergavam.

A história se perde, as casas mais antigas e históricas do município estão abandonadas e colocadas abaixo porque não se tem carinho pela própria biografia. Os próprios descendentes se esquecem de reverenciar o passado. A casa do fundador do município, Giovanni Buzzi, é única no Brasil, cuja obra é original à arquitetura rural italiana. É patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e que não recebe qualquer apoio local. Ela merece uma reforma e, é nosso dever, restaurá-la. O fato de ser tombada pelo IPHAN não retira a possibilidade de a iniciativa privada cuidá-la. O sistema de fabricação de tijolos utilizado na casa e em diversas construções municipais foi trazido, da Itália, por Piero Trentini e foi ele o responsável pela construção da Paróquia Santo Ambrósio.

A primeira olaria, com forno fixo, foi implantada por Pietro Moretto seguido de Nicola Badalotti (meu trisavô). João Mondini desenvolveu o plantio de arroz e Aleixo Merini desenvolveu uma batedeira rudimentar para soltar o arroz da espiga, método que foi aperfeiçoado por Attilio Beber. Ciência que nos beneficia até hoje foi a descoberta dos primos Severino e Eugênio Poffo, que desenvolveram o arroz amarelão (até hoje nas prateleiras dos mercados). Algumas das figuras públicas ascurrenses mais importantes sequer são mencionadas ou estudadas nas escolas.

Diante de todo avanço observado até então, a ideia de desenvolvimento alcançou para a emancipação. De grande importância também para nosso município foi Aldo Valdir Pintarelli, figura pública que era lendária ainda em vida (quem não o conhecia?), portador de verdadeiro espírito público e que realmente fez a diferença. Pessoa culta, divertida e que deixou seu legado sem acumular riquezas. Deixou tudo para nós, o povo ascurrense. Valdir, como era chamado, foi o idealizador e o precursor da emancipação, com participação relevante também de José Sandri Sobrinho que era presidente da Câmara Municipal de Indaial e tinha ainda Leandro Possamai como vereador.

Valdir foi quem mais dedicou sua vida ao desenvolvimento da cidade, pois foi um grande e primeiro loteador. Comprava as terras e vendia sem grande lucro, sem criar a especulação imobiliária como se vê hoje. Realmente trabalhou por desenvolver a cidade e teve algum reconhecimento, pois a rua que leva seu nome lhe foi homenagem ainda em vida.

As grandes conquistas e desenvolvimento de Ascurra ficaram estacionárias e até parece terem regredido. Parece que vivemos mais o coronelismo em Ascurra na atualidade do que há mais de 60 anos, porque temos sempre um grupinho de caráter duvidoso que finge trabalhar para o município quando, na verdade, fazem seus melhores investimentos fora da cidade. Isso é facilmente observado pela História ascurrense nos últimos anos. Estamos piores do que quando da emancipação.

O que se vê é sempre a tentativa de se evitar a concorrência, sendo que o livre mercado é ótimo para o consumidor e para o desenvolvimento. O que se vê é a asfixia do liberalismo econômico e, por consequência, do desenvolvimento. Veja-se que muitos dos comércios desenvolvidos pelos pioneiros não existem mais.

A mediocridade de um povo se revela por suas próprias ações, se revela por não resgatar os valores, as ideias e o olhar daqueles que vieram antes. Parece que não aprendemos nada com os antigos ou aprendemos apenas a parte ruim. Estamos presos a brigas, dores, revoltas, mortes. Sem compreender o passado não se vai para o futuro, se fica estacionário, se repetem os mesmos erros e as mesmas disputas. Reproduzimos por padrão. É impossível romper com o passado porque cada dia é a consequência do outro, mas precisamos conhecer verdadeiramente o nosso passado.

Parece que vivemos de artifícios e de dolorosas experiências que se manifestam sem qualquer despertar de consciências. Parece mesmo que estamos sob o efeito da maldição hereditária lançada pelos franciscanos quando perderam a paróquia para os salesianos.

Há um controle social que obstaculiza o progresso. A conversa afiada de hoje não se trata de um tribunal, mas de observações feitas a partir da própria experiencia. Ainda é tempo de revermos nossos melhores exemplos, de destrinchar e reavivar as memórias e melhorar como cidadãos e como cidade. Parabéns, Ascurra!

Mazzolin di Fiori – ramo de flor.

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