Pergunte a si mesmo e a dois ou três amigos quais as funções do Estado. A saúde será pontuada com uma delas. Certamente, muitos ou todos sabem que a Constituição prevê que 12% de toda a arrecadação vá para investimentos na saúde pública e que é obrigação do Estado provê-la.
Antes mesmo de 1988, pela chamada Constituição Cidadã, os dirigentes do país estabeleceram essa dependência entre os cidadãos e o Estado. Pelo império da Lei temos um Estado que dita as regras, mas é o primeiro a descumpri-la (aqui poderíamos tecer as maiores leviandades em nome da saúde pública).
A questão da saúde no Brasil sempre foi caótica e, justamente em razão disso, uma pauta mencionada em todos os palanques eleitoreiros com narrativas de soluções que nunca acontecem, pois a fala baseada no propósito da resolução é o suficiente para persuadir o cidadão a crer no seu governante.
“As reclamações corriqueiras são de falta de profissionais além de profissionais desqualificados, atendimento desumanizado, longo tempo de espera, má administração, etc.”
As reclamações corriqueiras são de falta de profissionais além de profissionais desqualificados, atendimento desumanizado, longo tempo de espera, má administração, etc. Assim como no Brasil, em nossa região não é diferente.
Evidentemente os desafios são muitos. Primeiro porque a gestão de pessoas é o problema de toda empresa, seja ela pública ou privada. Ouso dizer que no setor público ainda é pior, pois aos efetivos há muitas garantias até uma provável exoneração que dificilmente acontecerá. Além do mais, temos concursos que não aferem devidamente a qualidade profissional – lamentavelmente ter um diploma não significa absolutamente nada nessa nova era chamada de Nutella. Só sobre o tema concursos municipais poder-se-ia escrever um livro. Quem trabalha na área pública – em qualquer setor – sabe que há uma grande disputa com as mais traumáticas ações e reações para funções gratificadas, títulos, poder e, claro, mais dinheiro. Esquece-se do básico.
Na desqualificação dos profissionais por consequência há reclamações do atendimento desumanizado, como se os profissionais não soubessem ou não tivessem aprendido as tratativas para com o paciente. Inclusive, nem é preciso de qualquer curso para entender que a dor e o medo provocam as necessidades mais urgentes na medicina.
“... um ou dois profissionais comprometidos e os demais cumprindo hora...”
O tempo de espera é algo que desde muito criança eu já ouvia. E aqui cabem observações pontuais: uma que a demanda do Estado é grande para redirecionamento dos casos mais complexos aos locais conveniados, segundo que voltamos ao funcionalismo público onde, por vezes, temos um ou dois profissionais comprometidos e os demais cumprindo hora pois “intocados” pelo sistema já que concursados são.
“Políticos sendo o papai responsável e a sociedade o filhinho que bate o pezinho querendo um pirulito.”
A conversa afiada vem, mais uma vez, falar sobre a redução do Estado, porque o Estado fornece instrumentos que mantem a população sem qualquer responsabilidade. Temos um problema de engenharia social: políticos sendo o papai responsável e a sociedade o filhinho que bate o pezinho querendo um pirulito.
A população é refém de funcionários públicos soberbos e manipulados por intenções de perpetuação no poder. Os heróis da pandemia não conseguem seguir regras, respeitar a hierarquia e nem ao menos adequar-se às suas funções. É claro que não há como estabelecer uma conduta apenas dos prestadores de serviço. Os usuários dos sistemas públicos acreditam que o Estado é responsável por ditar toda a vida em sociedade porque assim o Estado nos faz crer. Nós deixamos de ser responsáveis por algo porque (em tese) o Estado deveria fazer.
Aliás, é preciso entender, no mínimo, a diferença entre os atendimentos públicos. As unidades de saúde de família (USF), popularmente conhecidas como postos de saúde, são locais onde o cidadão pode receber os atendimentos gratuitos primários e essenciais em saúde, além de odontologia, requisições de exames sugeridos pelo médico e acesso a medicamentos. Qualquer coisa diferente disso, em nossos municípios (Ascurra, Rodeio e Apiúna) devem ser direcionadas aos prontos socorros que aqui seguem-se pelo atendimento do SAMU e redirecionamento à hospitais conveniados, porém, não existindo a urgência ou emergência é preciso entender que não cabe atendimento em grau de prioridade.
Essa distinção deve ser fidedigna em entendimento tanto de usuários como dos servidores públicos para que se possa manter o mínimo de ordem. É preciso um Estado menos intervencionista e uma mentalidade de nossa parte enquanto comunidade. O desafio é grande porque é preciso mudar a mentalidade tanto de administradores do Estado como dos usuários insatisfeitos.
O modelo em vigor, certamente, não tem correspondido ao melhor. Mas a verdade é que há um paradoxo gigante entre o dever do Estado e o dever do cidadão. Um espera pelo outro.
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