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Conversa Afiada

O processo

Alguém devia ter caluniado Josef K., pois, sem que ele tivesse feito qualquer mal, certa manhã foi posto em reclusão. (livro ‘O processo’, de Franz Kafka)

Na manhã em que completa 30 anos, Josef K. é visitado no quarto de pensão onde mora por dois sujeitos que o informam que está preso. Os homens se recusam a revelar a natureza da acusação e comunicam ao réu que ele poderá responder ao inquérito em liberdade, desde que se apresente para interrogatórios periódicos no tribunal. É esse o argumento inicial de “O Processo” (livro de 1925), romance que Franz Kafka (1883-1924) – advogado que se ocupou vários anos de um ofício burocrático em uma companhia de seguros – nunca concluiu.
O livro retrata um tribunal invisível, retrata um Estado sob a imagem da inconstitucionalidade, uma vez que o indivíduo, Josef K., se vê inserido em uma situação a qual se configura como um rompimento brusco do seu cotidiano, fato este que não é justificado em nenhum momento pelas esferas jurídicas. Desse modo, nota-se a ação arbitrária do Estado referente ao cidadão que, sem ter conhecimento do seu delito, é inserido em um processo que ele mesmo desconhece na sua integralidade, mas que lhe é imposto pelas vias legais. Leis que são criadas para justificar ilegalidades. O que se evidencia, na referida obra, é a força coercitiva que o Estado detém e que, conforme o seu desejo ou finalidade, aplica-a independente de quaisquer outras justificativas.

Nessa linha de Kafka, corrobora a ideia de Nietzsche “uma das maiores preocupações do Estado se refere à conquista e manutenção de seu poder, mesmo que, para tal, ele precise sacrificar seus próprios cidadãos.”

Essa obra de ficção tem alguma semelhança com a nossa realidade?

Mais um domingo que estabelece uma batalha com um tribunal não tão invisível assim como o de Kafka. O bilionário Elon Musk mexeu num vespeiro de uma vespa só. No domingo, 07, o dono da rede social ‘X’ (antigo Twitter) escreveu numa postagem do Ministro Alexandre de Moraes: “Por que vocês exigem tanta censura no Brasil”? Eis o início do dito ataque à soberania nacional.

Primeiro que, evidentemente, não se trata de ataque à soberania nacional, muito menos de crime de opinião num país democrático. A Constituição Brasileira garante a liberdade de expressão e não existe meia liberdade assim como não existe liberdade de expressão para apenas uma parcela de indivíduos. Não existe mitigação à expressão. Sim, já sei que vem a pergunta, mas e se cometer crime. Crime é crime e o Código Penal estabelece claramente o que é calúnia (atribuir um crime a alguém que sabemos ser mentira), injúria (que é o xingamento) e difamação (atribuir uma conduta desonrosa). Ordens judiciais que censuram opiniões são naturalmente inconstitucionais.

Conforme divulgado no ‘Antagonista’, e-mails entre o Ministro Moraes e os advogados da Rede X, evidencia-se que o Ministro tentou direcionar os assuntos comentados no Brasil. Bem, isso, de longe, não é uma postura ilibada de um Ministro da Suprema Corte de um país. Aliás, do tempo em que realmente admirávamos os Ministros, suas opiniões políticas eram totalmente discretas, isentas e não divulgadas, limitavam-se à constitucionalidade.

Fato é que temos repetidos episódios de censura no país. A máquina estatal está inerte e submetida aos abusos do Judiciário que virou um ativista político com os mais absurdos inquéritos e ordens que desafiam a ordem constitucional e o sistema acusatório que foi substituído pelo inquisitivo (tipo a Santa inquisição).

Desejamos, ardentemente, que nosso país seja livre, promissor e, especialmente, que nossos cidadãos desenvolvam habilidades críticas responsáveis e com embasamento. Que não existam inquéritos e processos inquisitivos.

Avante.

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