DIREITOS E DEVERES

Herança de pessoa viva?

Por DAMARIS BADALOTTI, Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, em Ciências Penais e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família

A vida é como chegar atrasado no cinema. Ter de sacar o que estava rolando sem perturbar todo mundo com um monte de perguntas e aí ser inesperadamente chamado de volta antes de descobrir como o filme acaba. Joaeph Cambpell.


Nos últimos dias foi veiculado que a fortuna da dona da Pernambucanas é alvo de disputa judicial.

Anita Harley é uma mulher bilionária e a maior acionista das lojas Pernambucanas. Devido um AVC está em coma há 6 anos. Dentre as inúmeras notícias, muitos veículos de comunicação falam na herança e na definição de um herdeiro para a senhora Anita Harley.

Vamos aprender com a Anita?

Definitivamente claro, solar, límpido, nítido é que não existe, no direito brasileiro, herança de pessoa viva, inclusive formalizar algo neste sentido é chamado de pacto da corvina. E claro há muitos e muitos aprendizados jurídicos e do dia a dia nesta notícia.

Em verdade, há uma disputa em razão do pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva e dois pedidos de reconhecimento de união estável, paralelas. Sem herdeiros necessários reconhecidos, e não localizado um testamento vital que é diferente do testamento post mortem, o judiciário foi acionado.

Vejamos: aqui podemos falar da filiação socioafetiva, das uniões paralelas, do testamento vital, testamento post mortem e da curatela.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei 13.146/15, que entrou em vigor em 2016, modificou dispositivos do Código Civil que tratavam da capacidade civil. Agora tirando os menores de idade, todos são considerados relativamente incapazes. Isto quer dizer que uma pessoa no estado de saúde da senhora Anita pode tecnicamente exercer atos da vida civil.

Mas como?

A curatela da pessoa com incapacidade para os atos da vida civil passou a se restringir aos atos negociais e patrimoniais. A lei diz que aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, após aferição de sua capacidade pelo juiz poderá ter um curador ou ter uma pessoa para tomada de decisão apoiada. Ou seja, o instituto da interdição perdeu força.

Agora, o juiz concederá a curatela e indicará os atos para os quais a mesma será necessária, não havendo mais que se falar em curatela parcial ou total, competirá ao curador, independentemente de autorização judicial, representar o curatelado nos atos da vida civil, receber as rendas e pensões, fazer-lhe as despesas de subsistência, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens.

Por outro lado, somente mediante autorização judicial, competirá ao curador pagar as dívidas existentes, aceitar pelo curatelado heranças, legados ou doações, transigir, vender-lhe os bens móveis e os imóveis, propor ações em juízo ou representar o incapaz nas já existentes, adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao incapaz, dispor dos bens deste a título gratuito, constituir-se cessionário de crédito ou de direito contra o incapaz.

O curador não terá a livre movimentação de contas bancárias e ativos financeiros do curatelado, tendo acesso somente às rendas existentes, provenientes de benefícios previdenciários ou salários, que deverão ser utilizados para as despesas ordinárias. Em havendo sobras, estas deverão ser depositadas em conta bancária e cabe ao curador ainda efetivar prestação de contas. Ou seja, não é tarefa fácil.

Sabe como tudo isso poderia ter sido facilmente resolvido? Com o planejamento sucessório. Com um testamento vital acerca dos tratamentos de saúde que queira se submeter ou não, com o reconhecimento voluntário de filiação que também pode ser feito por testamento, com contrato da união estável, com a elaboração de uma holding com previsão de administração conjunta, etc.

Todos os dias acordamos para desbravar a vida, mas logo ali, ela submerge e aos que ficam podemos facilitar a dor da ausência.

Não deixe de consultar um advogado.