Ascurra é contemplada com 12 casas pelo programa Casa Catarina

Muito se tem comentado nos meios de comunicação acerca da série da Netflix, Adolescência, que está entre as mais vistas no streaming pelo mundo. Ao assistir a série, me pus a refletir como mãe, cidadã e jurista.
Para quem não assistiu, um jovem de 13 anos assassina uma colega de escola com inúmeras facadas e, a série retrata o crime como pano de fundo, mas analisa todo o contexto que o cerca e as circunstâncias que levaram ao fato.
O choque, ouso dizer, está justamente no contexto, naquela família / bairro / escola / comunidade em que o crime ocorre, pois são circunstâncias normais. São pais como quaisquer outros, não são perfeitos, mas possuem um trabalho, uma casa, um relacionamento estável, uma vida sem grandes emoções ou oscilações, que se costumam associar a eventos tão violentos. Ou seja, poderia ser eu ou vocês.
O erro está em considerar, que estamos seguros por sermos uma região pacata e singela, onde acreditamos conhecer a todos ainda que brevemente. Ao ver a série nos damos conta de que dentro de nossa casa, através do acesso ilimitado e sem supervisão da internet, redes sociais, podemos estar expondo nossos filhos a um mundo que nós pacatos e simples interioranos talvez sequer saibamos que existe.
O conteúdo a que jovens tem acesso ao se cadastrar em redes sociais e simplesmente preencher o cadastro com seus dados, está completamente fora do nosso controle. No caso específico da série, associado a misoginia, violência, masculinidade, sexo, com afirmações e recomendações de comportamento totalmente desfuncionais que influenciam inúmeros adolescentes mais do que os próprios pais ou educadores na construção de seu caráter.
Somado a isso, bullyng, que agora não se restringe apenas ao âmbito escolar, mas também ao mundo através de redes sociais onde mensagens são trocadas e eventualmente diante do uso de uma linguagem própria, passa despercebido a um adulto desavisado de seu real significado.
Não esqueçamos que, prática comum entre adolescentes que utilizam as redes é ter um perfil livremente acessado pelos pais e familiares e, outro o “real” destinado aos amigos e conhecidos, onde a “vida” acontece.
Ambos, vítima e agressor, estudavam no mesmo colégio onde conviveram de forma breve, onde comportamentos sexualmente inadequados a idade são tolerados ou até ignorados, por que afinal o que cabe a escola nesse contexto?
E pasmem todos, ninguém percebeu o que estava acontecendo. Nem pais, nem professores, nenhum adulto. Os amigos sabiam, mas também eram adolescentes e, acostumados a violência, ficaram chocados, porém não surpresos.
No caso da série o agressor foi preso e responderia como se adulto fosse cumprindo pena no sistema prisional.
No Brasil um crime desta natureza, cometido aos 13 anos, ele pode ser responsabilizado por ato infracional — não como criminoso, mas conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, adolescentes entre 12 e 17 anos estão sujeitos a medidas socioeducativas, não a penas do sistema penal comum.
Um crime de homicídio, com vasta prova, ocasionaria a internação do infrator, nos termos do artigo 122 do Estatuto da Criança e Adolescente. Importante ressaltar que a medida da internação é medida de exceção, reservada exclusivamente para casos mais graves. A medida deve ser revista a cada seis meses, segundo o art. 42 da Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), e não pode ultrapassar três anos.
Nossa legislação é voltada a ressocialização, da mesma forma deveria ser a internação que não poderia ser comparável a prisão, no entanto a prática não é tão bela quanto a teoria, há superlotação, denúncias de tortura e violações de direitos se assemelhando de fato a prisões.
A família da vítima pode buscar reparação na Justiça cível. A responsabilização dos pais ou responsáveis por danos causados por adolescentes é prevista no artigo 932 do Código Civil e no ECA, que estabelece a obrigação de reparar o dano em atos infracionais com reflexo patrimonial.
Do ponto de vista penal, não há punição possível, e isso não é falha, é escolha legislativa, considerando a realidade brasileira onde a criminalidade juvenil está associada a condições econômicas e sociais precárias, comunidades de risco, envolvimento com o crime em decorrência de questões sociais. Punir uma criança neste contexto, pode até satisfazer momentaneamente o desejo de justiça, mas não resolve o problema estrutural da violência juvenil.
Voltando aos fatos expostos na série onde, a vulnerabilidade social não foi um fator determinante, em ocorrendo no Brasil o agressor não seria preso, a internação seria resposta proporcional e adequada?
Lembrem-se, se trata de uma obra ficcional, ainda assim não devemos perder a oportunidade de refletir a respeito e olhar com mais atenção para as nossas crianças e jovens, ou a ficção pode se tornar realidade onde e quando todos menos esperam.
Por Karin Frantz.
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