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ELAS E O DIREITO

Liberdade de Ir e Vir e a Segurança Pública

 

A liberdade de ir e vir é um direito civil fundamental e um dos pilares fundamentais da Constituição brasileira, garantida a todos os cidadãos como expressão do direito à dignidade e à autonomia individual, prevista no artigo 5º, inciso XV.

No entanto, esse tema nos abre um leque grande de questionamentos.

Na época da pandemia gerada pelo COVID-19, o direito de ir e vir foi delimitado, e embora assegurado pela Constituição, o direito de ir e vir resultou em uma limitação transitória.

A falta de segurança nos faz lembrar que nosso direito de ir e vir está constantemente ameaçado. Nos sentimos seguros para ir e vir em qualquer lugar e em qualquer horário? Homens responderão que sim sem parar para pensar. Mulheres dirão que depende.

O Mapa da Segurança Pública divulgado nesta quarta-feira (11) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública mostra uma queda em assassinatos, roubos e mortes por intervenção policial e que o país apreendeu mais drogas e menos armas em 2024. Mas também mostra que os crimes contra as mulheres voltaram a crescer e alcançaram uma triste marca histórica. Foram 1.459 feminicídios em 2024, o equivalente a quatro mulheres mortas por dia. E casos de estupro chegaram a 83.114 — o maior número dos últimos cinco anos, com uma média de 227 mulheres estupradas por dia.

Nesse quesito a liberdade de ir e vir e circular por onde nos convém não é absoluta.

Outro ponto que merece destaque nos remete as ruas das grandes e pequenas cidades do país, onde esse direito convive com uma realidade dura e visível: a crescente presença de pessoas em situação de rua.

É comum vermos homens e mulheres que, privados de moradia, circulam, dormem e sobrevivem em praças, calçadas e viadutos. Embora muitos se refiram a essas pessoas como “mendigos”, o termo técnico e mais respeitoso é “pessoas em situação de rua”.

A maioria dessas pessoas enfrenta não apenas a pobreza extrema, mas também problemas de saúde mental, dependência química, falta de acesso a serviços básicos e rompimento de vínculos familiares.

Esse grupo exerce o seu direito de circular pelas cidades e de permanecer temporariamente nos locais públicos, utilizando-se da sua liberdade de ir e vir. Mas uma coisa é transitar pelo espaço público, outra coisa é ocupá-lo como se sua moradia fosse.

E nesse contexto muitos moradores e comerciantes, se sentem inseguros ou incomodados com a presença constante de pessoas vivendo nas ruas, até pelo comportamento instável e agressivo de algumas dessas pessoas em decorrência do uso de álcool e drogas, gerando tensão e conflitos.

O Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, garantindo direitos mínimos a essa população, como o direito ao respeito à dignidade da pessoa humana, à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania, atendimento humanizado, respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade e gênero.

Mas existe o outro lado da moeda. E aqui merece referência o artigo 59 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 que diz:

“Art. 59 - Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita.

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.

Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena”.

Embora uma pessoa não possa abrir mão de sua dignidade, é possível que sua conduta individual seja atentatória a essa dignidade. Nessas situações, caberá ao Judiciário definir se esse tipo de conduta caracterizará, ou não, um ato ilícito.

Ou seja, a não adesão as políticas públicas oferecidas, sejam elas de trabalho ou relacionadas à saúde, e a permanência na ociosidade sem justo motivo é considerada uma contravenção penal passível de pena.

Portanto, o exercício pleno da liberdade de ir e vir depende em grande medida, da efetividade da segurança pública. Precisamos reconhecer que a segurança pública e o direito de ir e vir não são direitos excludentes e ambos devem ser garantidos a todos os cidadãos. Logo, não se trata de escolher entre quem vamos proteger, mas de adotar políticas públicas eficientes que enfrentem o problema na sua raiz: falta de segurança e policiamento, falta de moradia, questões relacionadas a saúde mental, oportunidades de trabalho e acolhimento social.

Elizabeth Petters Guse Schmidt

OAB/SC 23.885

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