Jornadas exaustivas

Motoboys em SC enfrentam jornadas exaustivas após pressão de influencers de aplicativos

  • Foto: Freepik - senivpetro - “Faz R$1 mil e dorme”: Jornada do motoboy de SC desafia a morte no trânsito

Motoboys em SC são incentivados ao “faz mil e dorme”, meta de R$ 1 mil que leva a jornadas exaustivas. Entidades alertam para fraudes e riscos no trânsito.

Em Santa Catarina, uma rotina perigosa tem se consolidado entre motoboys que trabalham para aplicativos de transporte e entrega: só encerrar o dia quando a meta de R$ 1 mil é atingida, mesmo que isso signifique ficar mais de 24 horas na rua, sem dormir. A prática, conhecida como “faz mil e dorme”, é estimulada por influenciadores digitais e tem preocupado entidades ligadas ao trânsito.

A informação foi revelada por Alexandre Santos, presidente da Associação de Motoboys e Mototaxistas de Santa Catarina, em entrevista ao programa Conversas Cruzadas, da CBN Floripa, na última sexta-feira (5).

Eu trabalho 12 horas por dia. Mas tem quem trabalhe 16 horas/dia. Hoje, influencers das plataformas de entrega e transporte estimulam os motociclistas com o ‘faz mil e dorme’, que significa parar de trabalhar somente quando atingir R$ 1 mil — relatou.

Segundo ele, a falta de capacitação coloca jovens em risco. “O exercício da profissão como está tem levado pessoas à morte, à mutilação e a altos custos de internação. Precisamos capacitar esses jovens”, defendeu.

Falta de habilitação e fraudes em aplicativos

Outro problema citado por Santos é a presença de motociclistas sem habilitação regular. Ele afirma que é comum jovens fraudarem documentos para conseguir se cadastrar em aplicativos.

Santa Catarina possui hoje uma frota de 1,6 milhão de motos emplacadas, segundo dados da Fenabrave-SC. O segmento de motocicletas é o que mais cresce no estado: até agosto de 2025, foram emplacadas 40.982 unidades, alta de 4,03% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O impacto no sistema de saúde

O aumento das motocicletas nas ruas tem reflexos diretos na saúde pública. O ortopedista Marcelo Ostrowski, do Hospital Regional de São José (HRSJ), alerta para uma “catástrofe” envolvendo acidentes com motos.

O HRSJ atende por ano 50 mil pacientes na emergência com ortopedia. De 30 a 40% são traumatismos agudos ou sequenciais, e a grande maioria envolvendo motos. São 3.700 cirurgias por ano, sendo 30% diretamente ligadas a acidentes de motocicleta. No geral, são jovens, em idade produtiva, que acabam mutilados, além da gravidade do custo social — explicou.

A posição das empresas

Procurada, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como iFood, Uber, 99, Amazon e Zé Delivery, informou em nota que as plataformas adotam medidas de segurança adicionais, incluindo checagem de documentos, exigência de CNH válida, sistemas de verificação de identidade por selfies e seguros contra acidentes pessoais.

A entidade reforçou que a comercialização e o uso de contas falsas são proibidos e que há mecanismos para coibir fraudes. Também destacou a importância de políticas públicas de trânsito para reduzir acidentes. Como exemplo, citou Fortaleza (CE), onde, mesmo com o aumento de 46% da frota de motos entre 2014 e 2023, houve queda de 41,8% nas mortes, resultado de fiscalização e redução de velocidade.

Panorama nacional

Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) mostram que o Brasil tem 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores em circulação. Desse total, 53,8% dos condutores não possuem habilitação regular — cerca de 17,5 milhões de pessoas.

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Já as três maiores empresas de aplicativos reúnem 800 mil motociclistas cadastrados, o que representa apenas 2,3% da frota nacional. No caso das associadas da Amobitec, a entidade afirma que 100% dos condutores parceiros possuem CNH válida e documentação em dia.

Desafio para o futuro

Entre metas diárias arriscadas e falta de regulamentação efetiva, o cenário mostra que a pressão econômica e a influência digital têm levado motoboys a jornadas insustentáveis. Enquanto entidades cobram capacitação e políticas públicas, o aumento da frota e dos acidentes revela que a discussão vai além da renda: trata-se de uma questão de saúde e segurança no trânsito.


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